Enoli Lara desfilou pela União da Ilha, em 1989, com enredo 'Festa Profana'. 'Detenho o DNA, o pátrio poder da genitália desnuda', diz, aos 64. anos.
Eloni
no desfile da Ilha do Governador, em 1989, à esquerda, e no lançamento
de seu livro à direita (Foto: Arquivo Pessoal/ Marco A. Rezende)
“Tão cheia de pudor que vive nua", foi com a frase do Soneto do Orfeu,
de Vinicius de Moraes, que Enoli Lara, a primeira mulher a desfilar
totalmente nua na Marquês de Sapucaí, se descreveu. O feito aconteceu há
25 anos, quando a União da Ilha do Governador desfilou o enredo “Festa
Profana”, no Sambódromo do Rio. No ano seguinte, em 1990, a “genitália
desnuda” foi proibida no carnaval. Aos 64 anos, Enoli diz que se tornou
mito, se considera um eterno símbolo sexual e fala que o carnaval foi o
grande e inesquecível amor de sua vida.“Eu fui o interdito, a bandeira libertária, o despudor que gerou o pudor. O carnaval foi um divisor de águas na minha história, assim como eu fui para o carnaval. Criou-se um regulamento depois da minha exibição na Avenida. Eu virei um mito, um ícone, uma lenda, uma musa, uma legenda e eterno símbolo sexual. Detenho o DNA, o pátrio poder da genitália desnuda. Jamais se falará dela sem invocar o meu nome. Omitir o meu nome é um sacrilégio, é apagar a história, é como negar a beleza das genitálias desnudas das nossas índias. 'Suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam'”, disse, citando a Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, no descobrimento do Brasil.
Enoli com a fantasia que desfilou pela União da Ilha
em 1989 (Foto: Arquivo Pessoal)
Fantasia: par de botasem 1989 (Foto: Arquivo Pessoal)
No carnaval de 1989, Enoli representou a deusa grega Afrodite, vestindo apenas um par de botas. No ano seguinte, o carnavalesco Joãosinho Trinta criticou a proibição no enredo “Todo Mundo Nasceu Nu”, da Beija-Flor. O ator Jorge Lafond desfilou com o corpo todo coberto de purpurina. A Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) respondeu à provocação ampliando a regra: estava terminantemente proibido desfilar com a “genitália desnuda, pintada ou decorada”.
Em 1992, a regra fez uma vítima: o próprio Joãosinho. O ator Torez Bandeira desfilou pela Beija-Flor vestindo apenas um esparadrapo, que acabou caindo de seus genitais durante o desfile, custando perda de pontos à escola.
Amor com o 'Rei de Roma'
“Fui convidada pela União da Ilha e o carnavalesco Ney Ayan, para vir como deusa Afrodite e ele me deixou à vontade para criar a fantasia. Nunca fui convidada a desfilar nua, eu fui a pioneira, decidi por minha conta e risco exibir a nudez no carnaval. No domingo, dia do desfile, eu passara a tarde toda fazendo amor com o 'rei de Roma' (Paulo Roberto Falcão, ex-jogador de futebol). Pensei: deusa não usa calcinha e venho no carro representando uma cena de sexo. Combinamos, eu e o 'rei de Roma' que ao passar pelo camarote ia exibir o meu sexo para ele e ele jogaria champanhe para brindar. A sensação foi catártica, indescritível, única. Os olhares gulosos, meu portrait sexual ficou frisado na zona escopofílica de homens e mulheres, de milhares de pessoas, mundo afora. Eu me senti um totem espargindo energia sexual, vibrações e emanações amorosas, numa orgia sacro-profana”, revelou Enoli.
Renato Gaúcho ao lado de Enoli no desfile da Ilha
de 1988 (Foto: Arquivo Pessoal)
Futebol, carnaval e sexode 1988 (Foto: Arquivo Pessoal)
Ao relembrar sua história, Enoli diz que o futebol foi seu primeiro cúmplice no carnaval. Um ano antes de desfilar completamente nua, ela, que também é artista plástica e escritora, foi convidada pela diretoria do Flamengo para esculpir os troféus que eles levariam para os jogos amistosos nos Estados Unidos e México, em 1988. Junto com esse convite, foi chamada para desfilar na União da Ilha, no enredo “Aquarilha do Brasil”, em homenagem ao compositor Ary Barroso, que era flamenguista. Enoli desfilou toda pintada com as cores do rubro-negro, como rainha do clube, junto com os jogadores e a diretoria.
“A escola não tinha patrono para bancar as fantasias, só me deram um cocar vermelho, pois achavam que eu desfilaria com a camisa do clube. Como sou artista plástica, idealizei o símbolo da euforia do carnaval, do futebol e do samba, como uma fogueira incandescente que incendiando o meu sexo, lambia o corpo todo. Saí correndo com a tinta fresca, tentando entrar no meio dos jogadores. Foi um escândalo, quando os jogadores e diretores me descobriram nua. Tumulto geral. Ficou sério e poderia prejudicar a escola no quesito evolução. Estava chamando tanto a atenção do público, que quiseram me colocar próximo à bateria. Mas não deu. Fui agarrada pelo jogador mito nos campos e fora dele, Renato Gaúcho, entre outros. Assim estreei o primeiro nu pintado, a genitália pintada, no carnaval. Depois vieram, com pintura corporal, Roberta Close e Ângela Bismarchi, mas com tapa-sexo”, recordou.
'Peça única, sem reprodução'
Enoli diz que, se pudesse, viveria nua, mas não dispensaria os saltos altos. Ela diz que não possui plástica, exceto silicone há 20 anos, e não fez qualquer intervenção cirúrgica ou com medicamentos para rejuvenescimento. A artista plástica também contou que adora ir à praia sem roupa e se exibir. Mesmo assim, diz que a ideia de desfilar desnuda novamente, não a encanta mais.
“No carnaval sou personagem, arquétipo, faço parte de uma história de uma fantasia, então posso tudo. Enquanto personagem, deusa, sacerdotisa, não se tem referência à idade cronológica, então ainda posso me exibir em triunfo. Mas não me encanto com a ideia de desfilar desnuda novamente. Acho que certos fatos são únicos e irreproduzíveis. É como peça única, sem reprodução”, concluiu.
Na academia, Enoli mostra que ainda está em ótima forma (Foto: Arquivo Pessoal / Solange Duarte)
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